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Volume 5: No. 3. Julho de 2008

FERRAMENTAS E TÉCNICAS
Capacitação de estudantes no programa "Alunos multiplicadores de estilo de vida saudável" no Município de São Paulo


ÍNDICE


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Resumo
Introdução
Desenvolvimento de habilidades de ensino para professores
Alunos multiplicadores de estilo de vida saudável
Atividades físicas: jogos e atividades esportivas
Hábitos alimentares: demonstrações e degustação de alimentos
Uso de fumo: teatro e música
Consumo de bebidas alcoólicas: teatro de fantoches
Temas variados: jogos de tabuleiro
Financiamento
Dados sobre os autores
Referências
Apêndice


Rachel Lima Zanetta, MSW, Moacyr Roberto Cuce Nobre, PhD, Inês Lancarotte, BMedSc

Citação sugerida deste arquivo: Zanetta RL, Nobre MRC, Lancarotte I. Capacitação de estudantes no programa "Alunos multiplicadores de estilo de vida saudável", no Município de São Paulo. http://www.cdc.gov/pcd/issues/2008/
jul/07_0125_pt.htm
. Acessado em [data].

Resumo

As práticas de educação de saúde são fundamentais na prevenção de doenças cardíacas. O grande desafio continua sendo como promover a adoção de comportamentos saudáveis que venham a reduzir a ocorrência de fatores de risco de doenças cardíacas. O programa "Alunos multiplicadores de estilo de vida saudável", desenvolvido no Município de São Paulo, consistiu no treinamento de alunos mais velhos como educadores (multiplicadores) de colegas mais jovens. Os alunos influenciam mutuamente seu desenvolvimento psicossocial e cultural, incentivam uns aos outros a diversificar as relações sociais, e transformam a experiência ensino-aprendizagem. Esta intervenção educativa em saúde teve como foco a atividade física, os hábitos alimentares,o uso de fumo e o consumo de álcool.

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Introdução

No Brasil, os riscos de saúde relacionados ao estilo de vida ainda constituem um grande desafio para os educadores. Embora a educação para a saúde seja um requisito curricular, informação por si só não é suficiente para mudar os hábitos; as escolas brasileiras sofrem de falta de abordagens criativas à modificação do comportamento.

Nossa abordagem leva em conta o conhecimento, os comportamentos relacionados à saúde e as atitudes dos alunos; ou seja, levamos em consideração o que eles sabem sobre saúde, o que deveriam saber sobre a prevenção de doenças cardiovasculares (DCV), o que deveriam saber para promover o bom estado de saúde e de que forma deveriam aplicar o que sabem no dia-a-dia. Antes da intervenção pedagógica, usamos questionários e relatos escritos para identificar os valores e idéias dos alunos sobre os tópicos mencionados e avaliar o potencial de aprendizado e de ensino de cada um. Durante o treinamento, os alunos desenvolveram habilidades de ensino (baseadas no mesmo conteúdo usado em treinamento de professores) para preparar a interação com seus colegas. Descrevemos aqui a experiência de 80 alunos de quatro escolas públicas de ensino fundamental do Município de São Paulo que trabalharam com mais de 1060 colegas da série escolar anterior da mesma escola. A seguir, apresentamos os métodos usados na elaboração dos materiais de educação em saúde nas escolas, para que outros profissionais de saúde e pessoas interessadas possam desenvolver programas educativos entre pares (1).

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Desenvolvimento de habilidades de ensino para professores

Nossa abordagem de treinamento de professores pressupõe que o indivíduo não aprende através de um simples processo de percepção e assimilação de informações, nem através da simples aquisição de dados. A aprendizagem deve combinar percepção, afeto (emoções), atividade motora e relações sociais. A capacitação foi estruturada com base no trabalho de Paulo Freire (2). A prática pedagógica, focada no entendimento da realidade psicológica, cognitiva, afetiva, cultural e social dos adolescentes, tem como base o trabalho de Lev Vygotsky (3).

As atividades entre alunos multiplicadores e seus pares foram baseadas nesses princípios e realizadas mediante diálogo horizontal, com linguagem, abordagens e formas de comunicação apropriadas. O conceito de diálogo na educação é fundamentado na obra de Freire. O termo diálogo horizontal se deve a rejeição de Freire dos modelos hierárquicos de comunicação (diálogo vertical) em favor de um processo participatório entre iguais. O processo de comunicação deve respeitar o conhecimento e a cultura de cada grupo social envolvido no processo. Segundo Freire, o verdadeiro diálogo é essencial para o estabelecimento de mudanças sociais e para a transformação de indivíduos em agentes de mudança.

Neste programa, os alunos multiplicadores são os agentes de mudança. O compartilhamento de informações sobre os benefícios e os riscos associados a determinados estilos de vida específicos é eficaz como resultado da influência que o adolescente exerce sobre as atitudes e comportamentos de seus pares. A mesma influência ou pressão de um grupo de amigos que leva à adoção de comportamentos de risco, como o uso do fumo, pode ser direcionada para o apoio de resistência contra a pressão de pares.

O treinamento de professores foi realizado com a colaboração de estudantes universitários de graduação e pós-graduação do Departamento de Cardiologia da Faculdade de Medicina da USP. O treinamento consistiu de módulos de 4 horas ministrados a cada 2 meses, durante 2 anos, com aulas expositivas, preleção dialogada (4), discussão dirigida grupos de foco e dinâmica de grupo. O conteúdo teve base no conhecimento científico existente sobre quatro temas relacionados à promoção da saúde: atividade física, hábitos alimentares, uso do fumo e consumo de bebidas alcoólicas. Os professores receberam treinamento específico em recrutar, selecionar e apoiar os alunos que, subseqüentemente, trabalharam com colegas mais jovens.

O maior problema encontrado foi a resistência dos professores à maneira como os adolescentes trabalharam com seus colegas, usando linguagem informal sem terminologia médica. Esse problema persistiu durante todo o primeiro ano do projeto, em parte porque os professores estavam acostumados ao método pedagógico positivista tradicional. À medida que o projeto evoluiu e os resultados se tornaram visíveis, esse obstáculo foi superado pelo diálogo reflexivo.

Fornecemos aos professores informações de saúde e estratégias de programação para padronizar a linguagem e servirem como referência de conteúdo nas diversas escolas participantes (Apêndice). Esse material pode ser encontrado em http://www.cognos.med.br/pesec.

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Alunos multiplicadores de estilo de vida saudável

O modelo teórico educacional usado para desenvolver o sistema de multiplicadores de estilo de vida saudável tem como base do modelo dialógico construtivista de Paulo Freire (2). Esse modelo parte da premissa de que o conhecimento é social e que a aprendizagem ocorre durante interações sociais que levam à transferência de conhecimento. Os aprendentes assumem o risco, aceitam os desafios, e entendem como e por que devem aprender. O momento decisivo dessa perspectiva construtivista, segundo Freire, ocorre quando se deixa de utilizar o "modelo bancário da educação" no qual "o papel do educador é regular a maneira pela qual o mundo é transmitido aos estudantes" (2).

O programa "Alunos multiplicadores de estilo de vida saudável" é baseado em estudos que reúnem alunos de faixa etária próxima com vistas a influenciar seu desenvolvimento cultural e psicossocial, e a incentivar os dois grupos de escolares a diversificar suas relações sociais e modificar as suas experiências. Conforme explicam Viner e Macfarlane, a capacitação dos adolescentes deve estimular o desenvolvimento de habilidades sociais que promovam a autoestima, e a autonomia nas opções de comportamentos relacionados à saúde (5). Durante o treinamento dos adolescentes como facilitadores e líderes, os professores supervisionaram o processo e assistiram os adolescentes nos momentos em que eles decidiam que materiais e métodos seriam usados com seus pares (5). Do ponto de vista pedagógico, o trabalho entre alunos de séries diferentes propicia um ambiente repleto de possibilidades de interação e soluções originais para problemas de ensino/aprendizagem, bem como uma oportunidade para exercer tolerância e aceitar diferenças (6).

A transmissão de conhecimento levou em consideração técnicas educacionais e de entretenimento que incluem conceitos, mitos e verdades sobre a saúde. O que é um fator de risco? Quais são os riscos relacionados a determinados estilos de vida? O que é doença cardiovascular? Que papel fumar e consumir bebidas alcoólicas desempenham na evolução das doenças cardiovasculares? Qual é a importância de uma dieta saudável? Quais são os benefícios proporcionados pela atividade física? De que forma a ingestão calórica e o consumo energético determinam a composição corporal?

O treinamento dos alunos multiplicadores foi realizado pelos autores, com a colaboração dos professores das escolas selecionadas, previamente capacitados. Os alunos de uma série mais adiantada foram treinados para atuar com os colegas da série imediatamente anterior, à razão de 3 alunos multiplicadores para cada grupo de 30 colegas. Os professores escolheram os alunos multiplicadores a partir das habilidades pessoais, capacidade de liderança e interesse pessoal. Ao final de 3 anos, os alunos multiplicadores completaram a oitava série (o último ano do ensino fundamental) e os alunos mais jovens, a sétima série.

A intervenção educativa dos alunos multiplicadores com seus pares se deu na forma de reuniões semanais com 1 hora de duração. A amostra do estudo é representativa da população de classe média baixa da zona urbana do Município de São Paulo, etnicamente composta de 57% brancos, 26% pardos, 11% pretos e 6% classificados como outros. 58% da população era composta de indivíduos do sexo masculino.

O conteúdo de aprendizagem foi organizado em categorias de conceitos, habilidades e atitudes - ou seja, de acordo com o que os alunos sabiam, deveriam saber, deveriam saber fazer e deveriam ser (7). Antes da intervenção pedagógica, os professores observaram os alunosmultiplicadores, para descobrir a importância dada por eles a cada tema (atividade física, hábitos alimentares, uso de fumo e consumo de bebidas alcoólicas). Em seguida, avaliaram o potencial didático desses alunos, observando o desempenho e as habilidades de liderança dos mesmos. Durante o treinamento, os alunos desenvolveram as ferramentas didáticas (roteiros, jogos de tabuleiro e letras de músicas) a serem usadas nas atividades com os pares. As ferramentas se basearam no mesmo conteúdo usado no treinamento de professores, mas foi permitido que os alunos usassem sua linguagem informal de costume.

O objetivo da supervisão dos alunos multiplicadores foi capacitá-los a manter o diálogo sobre saúde e prevenção de doenças cardiovasculares com seus colegas, e a refletir sobre estilos de vida saudáveis. Aprenderam estratégias para facilitar a comunicação sobre risco, reforçar a autoconfiança dos pares e aumentar a resistência contra a pressão de amigos e dos apelos publicitários. Também foram treinados em habilidades de liderança para apoiar os colegas que escolhessem estilos de vida saudáveis.

Os alunos multiplicadores foram treinados segundo estas etapas:

  • Perguntou-se aos alunos multiplicadores o que sabiam sobre riscos associados a atividade física inadequada, hábitos alimentares não saudáveis, uso do fumo e consumo de bebidas alcoólicas.
  • Os professores usaram as respostas como base para elaborar materiais educativos, que foram então usados por pequenos grupos de alunos multiplicadores para trabalhar com cada tema.
  • Depois de trabalhar com o material didático, os alunos multiplicadores, em pequenos grupos, planejaram interações e atividades para transmitir os conceitos aos seus pares, adquirindo novos conceitos e esclarecendo conceitos mal-entendidos.
  • Os professores incentivaram os alunos a desenvolver métodos de ensino (dinâmica pedagógica) para trabalhar com os grupos de colegas.
  • Os alunos multiplicadores elaboraram a dinâmica pedagógica e a apresentaram aos professores para avaliação de conteúdo. Os professores corrigiram ou comentaram apenas o conteúdo, preservando os métodos de ensino propostos.
  • Os professores agendaram as atividades dos alunos multiplicadores com os colegas.
  • Os alunos multiplicadores realizaram as atividades com os colegas.

Os grupos de alunos pertenciam a 4 escolas públicas com características semelhantes. As diferenças culturais entre os adolescentes foram contornadas; nenhuma cultura específica foi considerada dominante ou normativa. Por exemplo, os alunos multiplicadores fizeram um livro com as receitas obtidas de suas mães, para demonstrar que é possível criar uma dieta saudável a partir de pratos que fazem parte das diferentes tradições culturais. O livro reuniu receitas africanas, americanas, árabes, italianas, japonesas e de outras culturas.

Jogos, dramatização e representação de papéis, são essenciais para a aprendizagem de adolescentes (8); permitiu-se que os alunos multiplicadores usassem todo tipo de linguagem desejada para se comunicar com seus colegas. As atividades dos alunos focalizaram os 4 temas: atividade física, hábitos alimentares, uso de fumo e consumo de bebidas alcoólicas.

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Atividades físicas: jogos e atividades esportivas

Durante o treinamento, o professor de Educação Física demonstrou ao grupo de multiplicadores como medir a freqüência cardíaca; essa atividade ensinou ao grupo que os batimentos cardíacos de pessoas fisicamente ativas são mais lentos do que os de pessoas sedentárias. O grupo decidiu demonstrar o exercício de batimentos cardíacos elaborando uma lista de atividades físicas e convidando seus colegas mais jovens a participar (Figura 1)

Foto de jovens participando de atividade de grupo

Figura 1. Os alunos multiplicadores (de camiseta preta) organizaram uma demonstração de atividades físicas para os colegas mais jovens.

Os alunos multiplicadores usaram quadros com ilustrações para mostrar aos estudantes mais jovens como realizar as atividades. O objetivo era demonstrar que a atividade física pode ser divertida e fazer as pessoas se sentirem bem; os estudantes participaram de atividades como: corrida, passa-passa da bola, uma partida de futebol de 15 minutos, cordão de isolamento, queimada, brincadeira de bambolê, polichinelo e pular corda, entre outras atividades aeróbias que associam prazer ao exercício físico. Depois dessas atividades, os alunos multiplicadores coordenaram uma discussão em grupo sobre as atividades, com toda a classe.

A fim de controlar o conteúdo da intervenção, os professores observaram as atividades e as avaliaram junto com os alunos multiplicadores. Na avaliação da demonstração de atividade física, os professores observaram o entusiasmo dos estudantes ao associar a diversão da atividade física com os benefícios de saúde resultantes.

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Hábitos alimentares: demonstrações e degustação de alimentos

Com relação ao tema "hábitos alimentares", os alunos multiplicadores escolheram uma demonstração de alimentos em 4 fases. Na primeira fase, falaram sobre os benefícios da dieta saudável. Colocaram em toda a escola cartazes que fizeram, chamando a atenção para as cores dos diversos alimentos e para a importância de se combinar alimentos de diferentes cores. Na segunda fase, fizeram cartazes com seus colegas mais jovens, com colagem de revistas, jornais e folhetos de supermercados – o foco dos cartazes foi em alimentos saudáveis, não-saudáveis e atividades cotidianas. Durante essa atividade, conversaram com os colegas mais jovens sobre estilos de vida e hábitos. Na terceira fase, ofereceram alimentos para os colegas provarem, como parte de um jogo de amarelinha com perguntas e respostas (Figura 2). O objetivo do jogo não era testar o conhecimento dos colegas, mas selecionar alimentos para os colegas provarem durante uma atividade divertida.

Foto de jovens organizando um jogo

Figura 2. Jogo de amarelinha que fez parte da lição sobre alimentos saudáveis.

Os colegas faziam expressões faciais em função do alimento oferecido, o que foi considerado engraçado pelos alunos; assim, a participação alcançou o objetivo pretendido de conteúdo, por intermédio de uma linguagem simples e atraente. Os professores que não estavam participando do projeto relataram que na sala de aula, os estudantes mais jovens falaram sobre o sabor de certos alimentos.

Outro recurso usado pelos alunos foi a feira de rua (Figura 3), onde puderam comparar os preços de alimentos saudáveis e não-saudáveis, como frutas, legumes, lanches fritos, biscoitos e refrigerantes.

Foto de jovens na feira, examinando as frutas

Figura 3. Os alunos multiplicadores foram à feira comparar os preços de alimentos saudáveis e menos saudáveis.

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Uso de fumo: teatro e música

O teatro e a música serviram como meios de comunicação importantes para o multiplicador dar informações sobre o uso de fumo. O teatro foi a primeira forma de comunicação usada pelos alunos. Essa forma de comunicação propicia a compreensão de que os aspectos figurativos e significativos só podem ser considerados em conjunto, uma forma de comunicação em que os hábitos saudáveis e não-saudáveis podem conversar entre si através da música e de diálogos entre amigos, primos e irmãos. Na atividade didática, o seguinte diálogo foi usado na dramatização:

Oi Antônio, cara, você viu que o tio do João teve que ir pro hospital? Não conseguia mais respirar; a tia dele disse que ele teve um ataque do coração. Ele fumava tanto que não dava nem pra respirar perto dele!

É... e eles dizem que nesses casos, quem está por perto da pessoa vira fumante passivo.

É mesmo, meu?

É! Um cara na escola disse que um cigarro tem mais de quatro mil substâncias tóxicas que se queimam na ponta do cigarro, se espalham com a fumaça, e entram nos pulmões, e se você está por perto e respira a fumaça, é como se estivesse fumando. E ele é um cara que sabe das coisas.

Sério, vai?

O intuito desse processo é promover o desenvolvimento cultural e pessoal dos participantes através do domínio e uso interativo da linguagem teatral. A comunicação se dá a partir da criatividade e espontaneidade da interação entre indivíduos engajados na solução dramática do problema relativo ao risco à saúde (9).

As atividades teatrais consistiram em diálogos, poemas e músicas. As músicas, com letras adaptadas de melodias conhecidas, deram aos alunos a oportunidade de apresentar, con humor, o conceito do hábito saudável. A quantidade de interação e nível de resposta dos alunos indicou que o teatro vivo é um meio eficaz de estimular o raciocínio e a discussão relacionados às conseqüêcias dos comportamentos de risco (10).

Durante essas atividades, os alunos cantaram a música "O cigarro" com a melodia de "Estúpido Cupido" de Paul Anka, uma música de muito sucesso:

"Ô ô cigarro, vê se me deixa em paz.

Meu coração já não agüenta mais

Eu fumei até um tempo atrás

Ei, ei, é o fim

Ô ô, cigarro, vai longe de mim."

Vygotsky diz que o processo de formação de conceito tem como raiz o uso das palavras, porque elas adquirem significados diferentes em cada uma das fases de atividade e desenvolvimento mental humano. Assim, cantando com seus colegas, os alunos passaram pelas diversas fases de aprendizado sobre os temas em questão (11).

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Consumo de bebidas alcoólicas: teatro de fantoches

Os alunos multiplicadores escolheram teatro de fantoches (Figura 4) como meio de ensinar seus colegas mais jovens sobre o consumo de bebidas alcoólicas. Os alunos criaram uma peça com 5 personagens. Quatro deles representavam membros da família: a avó, dois adolescentes (um menino e uma menina) e um tio que sempre aparecia bêbado, constrangendo a família e criando transtornos cotidianos. O quinto personagem era um tucano que falava com o público e respondia corretamente perguntas sobre alcoolismo. Depois do primeiro espetáculo, devido ao grande número de perguntas, como, por exemplo, se a atividade física ajuda a combater o alcoolismo, os alunos multiplicadores ampliaram o conteúdo da peça e incluíram os quatro temas do projeto.

Foto de jovens em um ginásio

Figura 4. Alunos na peça de teatro de fantoches sobre o tópico de alcoolismo.

O consumo de bebidas alcoólicas foi o tópico mais difícil para os estudantes, pois muitos deles já haviam vivenciado situações constrangedoras causadas pelo consumo de bebidas alcoólicas na família ou na comunidade. O uso dos fantoches permitiu que os alunos estabelecessem um diálogo com os colegas sem constrangimento; segundo o relato de várias pessoas, a participação da audiência atraiu a atenção de toda a escola. O conteúdo o teatro de fantoches abrangeu mais do que os riscos cardiovasculares, tratando também de acidentes de carros e brigas provocadas pelo consumo de álcool.

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Temas variados: jogos de tabuleiro

Os alunos multiplicadores desenvolveram jogos relacionados a cada tema para estimular a discussão entre os colegas mais jovens. Quatro jogadores jogaram dados para determinar quantos espaços movimentar as respectivas peças no tabuleiro. Cada espaço tinha um número correspondente a um cartão que continha uma pergunta sobre o tema. As perguntas cobriram os quatro temas: atividade física, hábitos alimentares, uso de fumo e consumo de bebidas alcoólicas. Alguns exemplos das perguntas feitas aos jogadores: Por que a atividade física é boa para o coração? O que a gordura faz com o coração? O que significa ter cinco cores de alimentos em uma mesma refeição? Por que o Ministério de Saúde aconselha contra o tabagismo? Você sabe quais são os hábitos saudáveis para o coração?

Os jogadores que respondiam corretamente movimentavam as respectivas peças para a frente; quem respondia incorretamente era penalizado e tinha que retroceder um espaço. Quando um dos colegas mais jovens dava uma resposta errada, o aluno multiplicador perguntava se alguém sabia a resposta certa, e quem soubesse recebia algo em troca. Os alunos multiplicadores decidiram dar como prêmio maçãs e marcadores de livros (que eles mesmo fizeram) com frases incentivadoras de hábitos saudáveis. Os alunos penalizados receberam chaveiros, para que não esquecessem a importância de cuidar do coração (Figura 5).

Os alunos multiplicadores tiveram êxito porque não permitiram que o fator ensino afetasse a estrutura do jogo. Por exemplo, o jogo penalizava jogadores por respostas incorretas, mas isso fazia parte do próprio jogo. Geralmente, no caso de professores, mesmo quando admitem que jogar/brincar é aprender, existe uma tendência de colocar limites na expressão espontânea sem controle dos alunos (12) e de dar prioridade à lição.

Os alunos multiplicadores se sentiam à vontade ao explicar cada resposta e até mesmo usaram termos técnicos, mostrando seu conhecimento do assunto. Além disso, não tinham vergonha de dizer "Isso eu não sei". Quando os jogadores faziam perguntas para confundir os alunos multiplicadores, estes pediam ajuda aos professores (durante a atividade) ou à equipe da pesquisa (durante o treinamento).

Durante as partidas de jogos de tabuleiro, notamos que os alunos usavam nossa terminologia nas perguntas que faziam. Os jogos tiveram tanto sucesso quanto as outras atividades - teatro, música e provar alimentos (Figura 2) – mas como enfatizavam a aprendizagem mecânica, por repetição, chamaram mais atenção dos pesquisadores à transmissão dos conceitos do que à forma da transmissão, o que não ocorreu com o teatro e a música. Os alunos foram mais criativos ao elaborar o jogo do que ao formular as perguntas.

Foto de jovens estudando um jogo de tabuleiro

Figura 5. Jogo de tabuleiro entre colegas.

Tivemos bons resultados quanto ao objetivo de permitir que os alunos multiplicadores determinassem como transmitir os conceitos. Tentamos evitar a comunicação de mensagens do tipo "não faça isso", porque muitos adolescentes, bem como seus familiares, fumam ou consomem bebidas alcoólicas e isso contribuiria para tornar difícil o diálogo. Além disso, não queríamos simplesmente repetir as mesmas mensagens de outras pessoas, da mídia ou das leis. Evitamos conceitos como "certo" e "errado" em favor de termos como "mais saudável". As técnicas usadas devem estimular os alunos a refletir sobre suas próprias escolhas com relação a atividade física, hábitos alimentares, tabagismo e consumo de bebidas alcoólicas. Os alunos não repetiram conselhos convencionais como "não faça isso", "não coma aquilo", "pare de fazer isso, é para o seu próprio bem" ou "é ruim para a saúde" – e essa era uma de nossas metas. O processo todo foi muito gratificante para a equipe técnica e os professores, que durante as sessões de treinamento dos alunos multiplicadores muitas vezes tiveram que contradizer estereótipos apresentados pela imprensa e crenças comuns sobre comportamentos que representam risco à saúde (ex.: a glamorização do ato de fumar). Ao planejar as atividades educativas usadas no projeto, procuramos, principalmente, atividades que dariam um senso de autonomia e emponderamento dos alunos e seus colegas mais jovens (13).

Os alunos multiplicadores de uma das escolas pediram espaço para montar um estande na feira de ciências, para que toda a escola pudesse ficar sabendo do programa. Colocaram cartazes feitos por eles e seus colegas mais jovens, apresentando os temas e a história do programa. Esse espaço promoveu reflexão sobre os temas por parte da comunidade escolar e visitantes.

O programa "Alunos multiplicadores de estilo de vida saudável" estimulou a comunidade a discutir temas não abordados pelo currículo formal da escola. O processo de educação para a saúde proposto foi criativo e motivador e incentivou os adolescentes a aprender sobre saúde, ao mesmo tempo contribuiu para melhorar a qualidade do ensino público.

Recomendamos a quem estiver interessado em criar programas similares que reúna os alunos, apresente a eles o conteúdo e permita que eles mesmos determinem o processo, cabendo ao organizador acompanhar o desenvolvimento do trabalho com os alunos mais jovens. Incentivamos a todos cultivar a capacidade dos adolescentes de liderar o processo ensino-aprendizagem.

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Financiamento

Este estudo foi financiado pela FAPESP — Fundação de Pesquisa do Estado de São Paulo - 02/13404-8 e 04/03469-0. O trabalho foi realizado na Unidade de Epidemiologia Clínica do InCor (Instituto do Coração) do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, São Paulo, SP.

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Dados sobre os autores

Autor correspondente: Moacyr Roberto Cuce Nobre, PhD, Epidemiologista Clínico, R. Cd Cagliori, 115, CEP 05454-030 São Paulo, Brasil. E-mail: mrcnobre@usp.br.

Vínculos institucionais dos autores: Rachel Lima Zanetta, Cognos – Educação em Saúde, São Paulo. SP; Inês Lancarotte e Moacyr Roberto Cucê Nobre, Instituto do Coração (InCor), de Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. SP

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Referências

  1. Shiner M. Defining peer education. J Adolesc 1999;22(4):555-66.
  2. Freire P. Pedagogia do Oprimido, 17a ed. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1987.
  3. Vygotsky LS. Mind in society: development of higher psychological processes. Cambridge (MA): Harvard University Press; 1978.
  4. Freire P. Pedagogy of freedom: ethics, democracy, and civic courage. Lanham (MD): Rowman & Littlefield; 1998.
  5. Viner R, Macfarlane A. Health promotion. BMJ 2005;330(7490):527-9.
  6. Japiassu ROV. Repensando o ensino de arte na educação escolar básica: projeto oficinas de criação. Revista de Educação do CEAP 1996;4(12):42-8.
  7. Formosinho J, Kishimoto TM. Formação em contexto: uma estratégia de integração. São Paulo (BR): Pioneira Thompson Learning; 2002.
  8. Moyles J. Só brincar? O papel do brincar na educação infantil. Porto Alegre (BR): Artmed; 2002.
  9. Jupiassu ROV. Jogos teatrais na escola pública. Revista da Faculdade de Educação 1998;24(2):81-97.
  10. Harding CG, Safer LA, Kavanagh J, Bania R, Carty H, Lisnov L, et al. Using live theatre combined with role playing and discussion to examine what at-risk adolescents think about substance abuse, its consequences, and prevention. Adolescence 1996;31(124):783-96.
  11. Vygosky LS. Psicologia del arte. Barcelona (SP): Barral; 1972.
  12. Fortuna TR, Bittencourt ASD. Jogo e educação: o que pensam os educadores. Porto Alegre (BR): UFRGS; 2003.
  13. Wallerstein N, Sanchez-Merki V. Freirian praxis in health education: research results from an adolescent prevention program. Health Educ Res 1994;9(1):105-18.

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Programa para desenvolver as habilidades de professores

  1. O papel dos alunos multiplicadores
  2. Estilo de vida saudável e doenças cardiovasculares
  3. A prática de atividades físicas e seus benefícios
  4. A dieta saudável
  5. Riscos do tabagismo
  6. Riscos do consumo de bebidas alcoólicas
  7. Características culturais, sociais, psicológicas e antropológicas da aquisição de hábitos
  8. Diversidade — diferenças de dietas no Brasil
  9. Doenças cardiovasculares
    • Prevalência e risco
    • Hipertensão arterial
    • "Bom" e "mau" colesterol
    • Risco de diabetes
    • Fatores genéticos
  10. Métodos e práticas pedagógicas
    • A práxis dialógica de Paulo Freire
    • O conceito de desenvolvimento de Lev Vygotsky
    • Jogos e aprendizagem segundo Jaime Moreno
    • Aprender a aprender, aprender a pensar
    • Começar com o conhecimento existente
    • Liberação da criatividade em adolescentes
    • Autonomia de aprendizado
    • Trabalho com linguagem de grupo

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The findings and conclusions in this report are those of the authors and do not necessarily represent the official position of the Centers for Disease Control and Prevention.


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This page last reviewed October 25, 2011

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